Bem-vindo ao lixão!
- Álvaro Paes, Érica Tavares
- 12 de ago. de 2017
- 7 min de leitura
A luta da população de Marituba contra os malefícios causados pela instalação do aterro sanitário na cidade

“Bem-vindo ao lixão!” Foi com essa expressão que os moradores do bairro São João, em Marituba, receberam os visitantes. Eles vivem próximo ao aterro sanitário e se reuniram em protesto na manhã de quinta (6 de julho). Começava mais um dia de luta para os manifestantes, desta vez com o bloqueio da via de acesso ao aterro. Alguns sentados em cadeiras, outros no próprio asfalto. O objetivo era impedir que os caminhões coletores de lixo chegassem ao local. Diante da difícil situação que enfrentam, as pessoas se veem forçadas a deixar suas casas e ir às ruas para tentar solucionar o problema.
Não se tratava de um grande protesto, como visto em outras ocasiões em que a comunidade fechou a rodovia BR-316. O pequeno grupo de moradores gritava “fora lixão” com faixas atravessadas na rua. Os caminhões de lixo começaram a formar fila no acostamento da Alça Viária, já que estavam impedidos pelo bloqueio de terminar o transporte. Enquanto o protesto continuasse, os caminhões não chegariam ao destino final. Para os motoristas, aquilo atrapalhava seu trabalho. Mas para os moradores, se os caminhões cheios de lixo completassem o trajeto, só iriam aumentar a montanha de lixo e de problemas.
O Problema
Em 2010 foi sancionada pelo Governo Federal a nova lei de resíduos sólidos (Lei 12.305). Assim, se fazia necessária a adequação do programa de manejo dos resíduos de Belém e região metropolitana. Segundo o Plano de Gerenciamento de Resíduos Sólidos do Município de Belém, a capital e municípios vizinhos produzem diariamente cerca de 980 toneladas, oriundas de coleta domiciliar, feiras e mercados, comércio e resíduos hospitalares.

O Ministério Público, em 2011, determinou que eram necessárias audiências públicas para discutir os termos da implantação do aterro sanitário. A primeira delas foi realizada em Marituba, já que lá ficava o local escolhido para a instalação do aterro. A população lotou o auditório. Lá viram ser apresentado pela Guamá Tratamento de Resíduos, empresa do grupo Solví, um belo projeto. Mas isso não foi suficiente para fazê-los mudar de ideia: o povo de Marituba não queria o aterro sanitário lá. Eles repudiaram a ideia e votaram contra a implantação. Porém, em 2015 o aterro sanitário começava a operar em Marituba, para atender aos padrões ambientais previstos na nova legislação.
A vontade dos cidadãos não foi atendida, mas isso não fez as pessoas se calarem. “Enquanto isso não se resolver, vamos permanecer aqui, pois não têm condições da gente ficar na nossa casa, sabendo que a população está morrendo, e ninguém faz nada”, afirma a vereadora Chica, integrante do movimento “Fora Lixão” e residente na região próxima ao aterro.

“Antigamente era só depois da chuva. Hoje é de manhã, de tarde e de noite. Não tem mais horário. O odor está se espalhando em maior quantidade e de noite o fedor é pior, a gente acorda sufocado”, relata Chica. Além do mau cheiro, a população se queixa de coceira, dor de cabeça e que os gases oriundos do aterro estariam formando aftas na boca de adultos e crianças. “Sofro na pele. Meus filhos e meus netos sofrem, e eu me solidarizo com o pessoal daqui.”
Os moradores do bairro São João contam que, como não há saneamento básico adequado na área, muitos dependem de poços artesianos. Com a exposição do solo ao chorume, os poços foram contaminados e a população parou de utilizá-los, dificultando o acesso à água potável. Houve mudança também quanto aos igarapés da região, que as pessoas pararam de frequentar por medo.
O uso do termo “lixão” é recorrente e proposital. Os moradores da cidade se recusam a utilizar o termo “aterro sanitário”. A moradora Maria de Lourdes (49) explicou que o lixo no aterro às vezes fica exposto, o que afeta a saúde das pessoas e atrai urubus para a região. Por isso os moradores preferem “lixão”. Ao longe era possível ouvir os fogos de artifício que os moradores costumam usar para espantar essas aves. Maria de Lourdes afirma que é “aterro sanitário” somente para quem mora em Belém ou Ananindeua, que está distante e não vive a mesma situação que os que moram em Marituba.

A Secretaria Municipal de Meio Ambiente (SEMMA) de Marituba monitora as atividades do aterro sanitário e afirma que, embora ele seja licenciado, há erro operacional. Nem todas as paredes das bacias de chorume têm proteção; a área adjacente às bacias não é protegida por vegetação como deveria. As bacias de chorume que não têm cobertura fazem com que os gases se dissipem, causando o mau cheiro que atinge a cidade.
Com o erro técnico, a quantidade de lixo que entra no aterro torna-se um agravante. São cerca de 1.500 toneladas de resíduos que chegam no aterro todos os dias. Desse total a maioria é produzida por Belém e Ananindeua, apenas 110 toneladas vêm de Marituba, que apesar de produzir menos é a cidade mais afetada pelo lixo “importado”.
O geógrafo Fernando Monteiro, responsável pelo monitoramento e planejamento de projetos da SEMMA, explica que a região tem ventos noroeste. Como Marituba está a leste do aterro, durante o dia o odor vai para a Alça Viária. Por volta das 20 horas a temperatura diminui, a corrente de vento marítima é bloqueada pela Cordilheira dos Andes e retorna. Assim grande parte da cidade de Marituba fica com o cheiro desagradável até 2 horas da madrugada, quando a corrente de ar muda novamente de direção.
Fernando relata a preocupação com a integridade dos recursos hídricos. As bacias de chorume ficam cheias rapidamente e o rio Uriboca tem sofrido impacto direto, já que nele tem sido despejado chorume. Por decreto, Marituba vive um momento de emergência.

Movimento Fora Lixão
Junto com as negociações para a implantação do aterro sanitário em Marituba, surgiu o Movimento Fora Lixão, descrito pelos membros como um fórum de luta permanente contra o estabelecimento do aterro naquele local. O idealizador do grupo foi André Nunes, um escritor que se define como ecologista e relata um histórico de luta pelo povo. Proprietário do restaurante rural Terra do Meio, André escolheu esse nome em homenagem ao local onde nasceu: a área de floresta relativamente não perturbada denominada Terra do meio, que fica na região de Altamira, PA.
A propriedade pertence a André e ao seu sócio, Joaquim Lopes, há 47 anos, e há quase 30 anos ele mora no local. Nessa época, a área estava desmatada e o igarapé que atravessa o Terra do Meio estava morto. Como Joaquim é um cientista que “entende tudo de floresta”, André decidiu, sob a orientação do amigo, deixá-la se reerguer. Depois de algum tempo a mata naturalmente ressurgiu e o rio se recuperou. Há oito anos foi fundado o restaurante; é um refúgio natural. As construções do Terra do Meio têm estilo rústico e inserem o visitante num ambiente de natureza. Mas, para a total insatisfação de André, o aterro sanitário de Marituba foi instalado próximo demais da propriedade.

Foi no Terra do Meio que se iniciou o Movimento Fora Lixão, há cerca de cinco anos. O restaurante já sediava reuniões periódicas com jovens para discutir questões sociais e culturais. Nessas reuniões foi organizado o movimento de cidadania e resistência, que não tem uma liderança nomeada e funciona como um fórum permanente.
Segundo André, existiam razões claras para que o aterro sanitário não fosse instalado naquele local. A primeira é a grande proximidade do Refúgio de Vida Silvestre (Revis) Metrópole da Amazônia, uma área de proteção ambiental integral; o aterro sanitário fica ao lado do Revis. Além disso há a proximidade com os mananciais de nascentes da bacia do rio Uriboca. Outra razão é a pequena distância entre o aterro e a área urbana. Muitas residências têm seus quintais fazendo limite com o aterro.
Nunes cita ainda a questão da segurança aérea, pois o aterro localiza-se a uma distância inferior à adequada do aeroporto de Belém. Segundo a legislação, não pode haver lixão, aterro ou curtume a uma distância inferior a 20 km de aeroportos devido ao risco de colisão das aeronaves com aves.
O quadro atual, segundo André Nunes, é "uma montanha de podridão". “O cheiro é tão incômodo que à noite o sono é interrompido; as pessoas acordam sufocadas, não conseguem respirar. E as crianças são as que mais sofrem.” Comer com esse fedor? É difícil. André relata a dificuldade de se ter um restaurante localizado há poucos metros de um aterro sanitário: o movimento caiu cerca de 80% desde então.

André faz denúncias a respeito do manejo do chorume pela Guamá Tratamento de Resíduos. Se são toneladas de lixo depositados todo dia no local, o passivo de chorume também é da ordem de toneladas. "Eles construíram quatro bacias de chorume. Eles fizeram mais 16 bacias. Desmataram pra fazer mais bacias. A maioria delas não tem lona. Uma porrada delas não tem lona embaixo para proteger."
A proposta inicial da empresa, quando tornou público seu plano de ação, era tratar o chorume produzido com o uso de máquinas de osmose reversa, que iriam torná-lo propício para o descarte nos rios. Mas, segundo o Fora Lixão, só recentemente foram compradas essas máquinas. E estas só dão conta de tratar 70% do chorume produzido no aterro. "E os outros trinta? Aumenta o passivo que já tem", diz André.
Sobre a contaminação do lençol freático, são feitas outras denúncias contra a empresa que gere o aterro. "Então eles cavam e jogam o chorume direto no lençol freático. E aí todos os poços daqueles bairros de lá ficaram contaminados", indigna-se André.
A esperança do Fora Lixão é que o aterro sanitário seja desativado e, assim, cesse todo o incômodo que ele acarreta. A ideia do movimento é resistir e não desistir. Eles acreditam que irão alcançar o resultado que esperam. “Hoje, no grau de conscientização que a gente já conseguiu do povo, o que é muito difícil, a gente tem certeza que o lixão vai sair. E não confiamos no poder público, por um milagre só acreditamos no povo", prevê André.
Posicionamento da Guamá Tratamento de Resíduos
A empresa Guamá Tratamento de Resíduos, responsável pelo aterro sanitário, reconhece o odor causado pelo local: “A unidade passou a exalar um odor fora da normalidade operacional devido às chuvas do ano de 2015”. Para solucionar a questão, a Guamá afirma que R$ 13 milhões já estão sendo investidos para melhorias no aterro.
Quanto às outras queixas dos moradores, a companhia repudia fortemente os apontamentos de que os problemas surgidos a partir do aterro estão causando doenças na população. Segundo a empresa, o aterro contribui para a qualidade de vida e da saúde dos habitantes do município. A Guamá também negou que haja contaminação do lençol freático e afirma que mantém em Marituba um aterro sanitário que cumpre os critérios de instalação da obra e é adequado para a destinação do lixo. É o oposto de um lixão, diz a empresa, um lugar para despejo de lixo a céu aberto, sem nenhum tratamento e que prejudica a saúde e a qualidade de vida dos que vivem no seu entorno.
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