Pela valorização do Centro Histórico
- Anaís Moraes, Elizandra Ferreira
- 12 de ago. de 2017
- 10 min de leitura
Projeto Circular une moradores de Belém em atividades culturais voltadas para a revitalização dos bairros

A Campina é um dos bairros que integram o centro histórico da capital paraense, formada por casarões antigos do período da Belle Époque e arquitetura consagrada. O estado de preservação do local, porém, não condiz com o seu valor. É possível notar a depredação dos prédios históricos, praças abandonadas e casos de violência na vizinhança.
O projeto Circular emerge da necessidade de revalorização do Centro Histórico da Cidade de Belém, atento ao potencial da diversidade de espaços, coletivos e empreendimentos culturais sediados nos bairros da Campina, Cidade Velha e Reduto. Incentiva a população a interagir mais com a cultura do Estado. Alguns moradores e comerciantes, inspirados pela ação do projeto, decidiram se reunir para montar uma associação que propagasse a mesma ideologia do Circular.
A união faz a força
A necessidade da existência de uma associação, segundo o assessor jurídico da Associação de Moradores do Bairro da Campina, Sammy Gentil, surgiu há dois anos e meio, a partir de um movimento preocupado com a questão de melhorar a segurança dos moradores do bairro. “Tínhamos pontos aqui que estavam se tornando insuportáveis do ponto de vista de segurança, as praças estavam sendo utilizadas para consumo de drogas, a população de rua aumentando de forma gradativa e junto com essa população de rua, os crimes. Era comum você vir ao centro e passar por uma situação complicada no ponto de vista de segurança. Algumas pessoas, na verdade eu e mais outra vizinha, não ficamos satisfeitos com essa situação”, conta.

Um exemplo, usado por Sammy Gentil como símbolo de êxito desse movimento, é a Praça das Mercês, que estava completamente abandonada e havia se tornado ponto de uso e venda de drogas. Atualmente, após receber a devida atenção, a praça pode ser frequentada e usufruída da melhor forma pelos moradores do bairro.
O assessor se comunicou com uma vizinha, que também não estava satisfeita com a situação do local. A moradora contou com o apoio de um colega militar para criar uma ação que trabalharia junto ao povo. A partir de então, o movimento da associação começou a ser formado.
O projeto Circular surgiu como o apoio cultural que o movimento precisava. Era necessário, para os membros da associação, remover o foco da questão de segurança e agregar aspectos mais positivos e atrativos para a população. A experiência cultural realizada pelo projeto coincidiu com o objetivo da associação. Ambos possuíam o desejo de tornar o bairro mais receptivo aos moradores e valorizar seus produtos de trabalho. “Quando você conhece a história e a cultura, dá mais valor àquilo que tem”, retifica Sammy.
Segundo Sammy, outra questão em comum entre os movimentos era a necessidade de visibilidade para os bairros. “As pessoas tinham pouco contato entre si e, também, pouco conheciam do próprio bairro, e isso devido à insegurança”, explica. O Circular proporcionou esse conhecimento ao público. Galerias de arte, como a Kamara Kó, e espaços culturais, como a Associação Fotoativa, que não eram tão conhecidos pelo público da área, passaram a ter visibilidade.
Desta forma, o projeto Circular trouxe lucro, não apenas financeiro, mas também cultural, para a associação e os moradores da Campina. O assessor afirma que a mídia que existia em torno do Circular ajudou na visibilidade e acesso da prefeitura e políticos às questões do bairro.

O objetivo inicial do movimento era unir as categorias que fazem parte do bairro, comerciantes, proprietários de imóveis, moradores e empresários, para seu possível fortalecimento. Quando se reúnem para discutir sobre o projeto, as associações da Campina e da Cidade Velha buscam identificar os objetivos de cada uma e os pontos em que podem trabalhar em conjunto. Priorizam sempre os bairros e moradores, para estreitar seus laços e contribuir para o avanço do movimento. “Os problemas são característicos de cada bairro, mas no fim é tudo por uma só causa. No momento, a relação entre os moradores aqui da Campina com os da Cidade Velha não está bem resolvida, mas acredito que para fortalecer o movimento, o futuro será a união”, completa Sammy Gentil.
Interesse no praticar
A estudante de jornalismo da UFPA Maria Paula Malheiros entrou há pouco tempo na equipe responsável pela comunicação do projeto Circular. Maria Paula tinha conhecimento sobre o projeto tanto pela atividade que exerceu profissionalmente, repórter da TV Cultura, quanto por seu interesse pelo cenário cultural de Belém.
A proposta de trabalhar no projeto surgiu após sua passagem pela TV Cultura e pela revista independente Na Cuia, ao lado da amiga de faculdade Juliana Araújo. “A Juliana conhece uma das organizadoras e sócias do projeto, a Luciana Medeiros. Fui indicada por ela e hoje trabalho com Luciana como parte do Circular”, conta a estudante. Sua principal função no projeto era dar suporte à área de comunicação, junto com Luciana. Maria Paula fica encarregada de preparar matérias, trabalhar nas redes sociais e fazer reportagens para o site oficial. A ideia é transformar o site em um portal onde as pessoas tenham acesso, com mais facilidade, ao conteúdo que é produzido semanalmente. A repórter destaca a importância de informar o público que o projeto não funciona apenas de dois em dois meses, em suas edições, mas sim todos os dias.
Também estudante de comunicação da UFPA, na área de Publicidade e Propaganda, Neil York conta que trabalhou na administração das redes sociais e na divulgação do projeto na internet. Neil se interessou pelo fato de o projeto fazer parte de um movimento cultural, também gostou da ideia de trabalhar na área da comunicação “Como a revista Na Cuia (onde trabalhava) já ia fazer uma oficina no Circular, em setembro do ano passado, ela (Makiko) topou minha participação. Nós fizemos reuniões, e fomos produzindo os posts e conteúdos que íamos postar. Foi muito bom, nós fomos lá na Kamara Kó, perguntamos e conversamos com a Makiko, explicamos o que a gente queria e ela topou que trabalhássemos no projeto.”
O Projeto Circular
A artista plástica e idealizadora do projeto, Makiko Akao, há duas décadas e meia, administra a Kamara Kó Galeria, que desenvolve várias ações e projetos culturais e educativos. No final do ano de 2014, conversando com alguns parceiros que trabalham com espaço de galeria de exposição, como a Elf Galeria e o Atelier do Porto, Makiko percebeu a dificuldade de se trabalhar com espaços e venda de obras de arte em Belém, uma cidade “que ainda desvaloriza o mercado cultural”. “Eu acho que hoje em dia tem bastante incentivo no sentido de criação artística, mas não existe ainda uma política em função do escoamento desse produto”, afirma Makiko Akao.

Da conversa entre colegas surgiu a ideia de realizar um Circuito das Artes, que aproveitaria o mês atípico de dezembro daquele ano para abrir, simultaneamente, seus espaços nos finais de semana. Os seis espaços de arte iniciais aderiram à ideia e abriram suas portas, nos três finais de semana de dezembro de 2014, para receber o Circuito das Artes. Após a realização do Circuito, Makiko começou a formatar oficialmente o projeto Circular. No levantamento realizado para a elaboração, a idealizadora percebeu que a maioria dos parceiros, do futuro projeto Circular, se localizavam próximos uns dos outros, nos bairros Campina e Cidade Velha; espaços de arte e cultura, além de igrejas e museus que compõem o patrimônio da cidade.
Segundo Makiko, essa percepção mudou o objetivo do projeto: agora não se direcionava apenas para a circulação de público nos espaços culturais, mas também para aproveitar esse fluxo de pessoas para revalorizar o centro histórico de Belém. Os espaços culturais seriam um atrativo para mostrar, pelo viés turístico, a importância e possibilidade de autossustentação da área tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional (IPHAN). “Se pararmos para perceber, na maioria das cidades o centro histórico é aonde os turistas vão, eles querem conhecer a história da cidade. Nós temos uma arquitetura atípica, eclética, ainda resquício da época áurea da borracha, toda a nostalgia e histórias de época que poderiam ser valorizadas. Fora a valorização dos espaços culturais que estavam sendo abertos e localizados na área, então essa foi a proposta do Circular”, acrescenta a artista.
Nas suas três primeiras edições, o Circular não teve nenhum patrocínio ou recurso financeiro. As edições foram realizadas por pessoas que acreditaram no potencial, dividiram as ideias, e se sentiram como partícipes do projeto. Hoje, partindo para sua 18ª edição, o projeto representa uma parcela, mesmo pequena, de uma sociedade que anseia pela valorização cultural e melhoria da cidade, deixando de dedicar certo tempo aos seus trabalhos pessoais em prol deste sonho.
Makiko Akao explica o processo financeiro do Circular. “Até ano passado tive cerca de três reuniões com o prefeito, ele ficou empolgado, chamou o secretariado, expliquei o que era o projeto, mas até agora não conseguimos patrocínio. Nós insistimos mais em apoio na área de educação, porque queríamos ter oficinas, principalmente no Porto do Sal, onde contamos com o projeto do Aparelho, que trabalha com oficinas para o pessoal da comunidade. São pessoas que trabalham sem receber nenhum tostão, todos tiram dinheiro do seu bolso para poder manter o projeto”.
Pelo terceiro ano consecutivo, o Circular é realizado pelo edital Rouanet, concedido pela Secretaria de Fomento e Incentivo à Cultura do Ministério da Cultura (Sefic/MinC), e pelo Banco da Amazônia, únicos patrocínios do projeto. Além disso, as edições sempre contaram com apoio da Fundação Paraense de Radiodifusão (FUNTELPA), no projeto do ano de 2017, está como corealizadora, divulgando chamadas no rádio e na TV. Existe uma parceria com a Universidade Federal Do Pará, pela Faculdade de Turismo (FACTU). São realizadas, também, algumas doações de pessoas físicas, pelo processo de declaração do imposto de renda.
As edições do Circular não seguem uma ordem específica. Os estabelecimentos confirmam sua participação com antecedência, seguem para a divulgação e é disponibilizado ao público um programa com indicações de cada ação que ocorrerá no dia. Makiko explica que nos programas são divulgados os espaços, independentes uns dos outros, e os próprios visitantes escolhem por onde começar e seguir. “O público tem que olhar os horários em que os espaços estão abertos e se programar para conciliar, em um caminho, as visitas com os eventos realizados nas praças, por exemplo. O próprio grupo de amigos ou família faz seu roteiro”, conta.
Para se tornar parte do projeto, o dono do estabelecimento deve demonstrar interesse, conhecer e concordar com a proposta e objetivo do Circular. Os espaços dedicam alguns dias do seu tempo de trabalho e conseguem, assim, uma maior visibilidade e carinho do público que acompanha as edições. O estabelecimento que se propuser a participar paga uma taxa, a cada edição, que ajuda na divulgação e outras ações do projeto, com exceção dos que realizam atividades mais sociais ou educacionais, como é o caso do Aparelho, que é isento de taxa.
O projeto propõe, também, incluir os próprios pequenos comerciantes moradores da área, melhorando a autoestima do bairro com potencial para crescer economicamente. A idealizadora apoia, e recebe apoio, da associação dos moradores e comerciantes do bairro. A associação da Campina, em seus poucos dois anos de existência, vem criando comissões de educação, meio ambiente, cultura e segurança. O Circular, na realidade, procura incentivar, por meio de pequenas ações de divulgação, que os próprios cidadãos tomem atitudes para preservar seu bairro. Apenas a participação da comunidade pode manter a qualidade da área, acredita a associação.

A criação do projeto Circular gerou dúvidas e receios de certos moradores que não se veem beneficiados por suas atividades. A idealizadora explica que possuem parceria com a Polícia Militar, porém não são encarregados de questões como segurança, infraestrutura e calçamento. O projeto, que abriu os olhos dos moradores para o potencial da área, é apoiado pelas associações, que realizam ações de caráter social. “Eu sempre tive consciência que é um objetivo a longo prazo, o hábito ou a cultura não se muda em pouco tempo. Acho que agora, com três anos, os comerciantes e moradores começam a perceber o que é o projeto. Nós destacamos as necessidades mas não podemos tomar questões de responsabilidade do órgão público. Nossa voz no bairro é no sentido de fortalecer a associação. A voz da associação dos bairros é a voz legitima para realmente solicitar essas providencias”, destaca.
O crescimento do Circular é perceptível por seus membros e pelo público. A iniciativa teve repercussão em outros Estados, como em sites culturais de São Paulo. Quem conhece o Circular muitas vezes se interessa em participar ou afirma sobre a importância da ideia e possibilidade de levá-lo para fora de Belém, agregando consistência e visibilidade ao projeto.
Quando formatado por Makiko Akao, o projeto seria liderado por ela durante três anos. E seu terceiro ano ganhou um outro formato, um pouco mais coletivo. Segundo a artista, um projeto que chegou ao nível do Circular não deve ficar nas mãos de apenas uma pessoa. Uma das ideias é direcioná-lo a uma ONG. O objetivo é que o Circular instale, na população do bairro e da cidade, a ideia de valorização do centro histórico sem a necessidade de um projeto específico.
Alguns pontos de Belém passaram a ser conhecidos em virtude da parceria com o projeto Circular, este que já está na sua 17ª edição e arrasta um público fiel para cada canto da cidade seguindo um trajeto. O Centro Cultural da Justiça Eleitoral (CCJE) é exemplo de um espaço criado para esse tipo de evento, integrado com salas de oficina, minipalco para teatro de bonecos e cinema.
No primeiro piso do prédio encontramos uma exposição institucional, que é própria do lugar e de longa duração, que conta a história do processo de democratização no país. No segundo andar fica o espaço para exposições externas que são escolhidas a partir de editais.
Ainda que o CCJE seja um espaço público, muitos não têm acesso em razão da pouca divulgação. Por esse motivo o Circular foi bastante importante para o desenvolvimento do local, levando para o Centro atrações artísticas e incluindo suas atividades no roteiro, que por sinal é bastante divulgado nas redes sociais do Centro.
Segundo o integrante da comissão gestora Adam Costa, “o Circular tem sido essa experiência bem legal justamente por conta disso, porque o público vem, conhece o nosso espaço e a gente já recebeu até propostas, deixando pessoas interessadas para saber como expõe, como é que faz, como é que tem acesso a essa programação”. A contribuição de ambos, tanto da instituição do Tribunal de Justiça Eleitoral (TJE) quanto do Circular, favorece a população no sentido de promover a manifestações artísticas de cunho regional, educando o olhar das pessoas da região para a sua própria cultura, ou seja, perceber o que é produzido na sua terra.
Para o turismo é também essencial. Os museus funcionam como uma vitrine da história, que permite ao outro poder viajar e conhecer novos costumes a partir da peculiaridade de um povo. “Com a exposição ‘Nós de Aruanda’, foram experiências mais legais, porque é um público que geralmente não vem pra cá, porque é uma exposição feita por artistas de terreiro, então tem a própria questão do preconceito, que as pessoas não se sentem pertencentes a esse espaço, que na realidade é um espaço público”, comenta Adam sobre a exposição que foi aberta durante a programação do projeto.

Além da visibilidade que o CCJE atraiu por conta do Projeto Circular, é importante destacar alguns méritos que o espaço conseguiu, como a participação na Semana Nacional de Museus e na Primavera dos Museus, na qual ofertará oficinas e cursos.
Conhecer esses espaços, sejam eles antigos - como a primeira galeria paraense, Elf Galeria, até as mais recentes, como o Centro Cultural da Justiça Eleitoral - é um dos frutos colhidos pelo projeto que, em suma, tem como objetivo principal revalorizar nossa história, expandindo conhecimento para aqueles que são os reais possuidores da cultura: os paraenses.

Serviço
Projeto Circular > Campina > Cidade Velha
www.projetocircular.com.br
facebook.com/ocircular
@circularcampinacidadevelha
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