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Vida acadêmica e saúde mental

  • Ana Laura Costa, João Gabriel Souza
  • 26 de ago. de 2017
  • 7 min de leitura

Como a pressão no ambiente universitário pode agravar quadros de transtornos psicológicos

Muitos estudantes recorrem a tratamento clínico e utilizam medicamentos controlados.

Há pessoas com problemas familiares, algumas com problemas de sociabilidade e outras com transtorno de ansiedade, personalidade ou depressão. Afinal, existe alguém totalmente e a todo momento saudável psiquicamente? Se essa pessoa existir, pode ter certeza que se encontra em um oásis, principalmente na nossa atualidade e mais ainda entre os jovens.

De acordo com o 2º Levantamento Nacional de Álcool e Drogas (LENAD), 21% dos brasileiros entre 14 e 25 anos têm sintomas da depressão, 20% já pensaram em suicídio e 5% já tentaram tirar a própria vida. Outra pesquisa do Estudo de Riscos Cardiovasculares em Adolescentes (Erica), feita entre 2013 e 2014, apontou que um em cada três adolescentes brasileiros sofrem de transtornos mentais comuns (TMC), caracterizados por tristeza frequente, dificuldade para concentração, insônias, falta de disposição, entre outros sintomas, que, segundo a pesquisa, se não tratados, podem evoluir para distúrbios mais sérios.

Essa é a realidade de muitos jovens nas universidades brasileiras. Não é preciso ir muito longe para encontrar jovens com históricos de problemas psíquicos considerados pequenos e que são agravados pela pressão acadêmica. Em Belém, na Universidade Federal do Pará (UFPA), três estudantes universitárias decidiram falar sobre suas realidades particulares. Os nomes serão omitidos para preservar os entrevistados.

Estudante de publicidade da UFPA, uma das entrevistadas disse que antes de entrar na universidade enfrentou a morte de uma pessoa muito importante em sua vida. Isso, segundo ela, teve grande repercussão na sua saúde mental. Na instituição, ela deparou com um ambiente de extrema tensão, ao qual não estava acostumada. "Sem dúvida eu recebo mais pressão atualmente do que antes da faculdade. Antes havia aquela necessidade de entrar em uma universidade, de ter uma profissão. Já havia os comentários de pai e mãe, dos meus tios, dos meus avós e amigos sobre provisões para o futuro, mas quando eu entrei na universidade isso só piorou, porque eles já esperavam mais coisas de mim, ‘E o estágio?’ ‘E aí, vai sair alguma pesquisa?’, isso é só uma questão, há outras envolvidas que foram se acumulando feito uma bola de neve’’, relatou.

A estudante contou que tinha uma relação problemática com seus familiares justamente em um momento que ela precisou do apoio deles. Ela não compartilhava seus problemas com a mãe ou o pai porque percebia que eles já tinham outros problemas. “Achava que não valia a pena falar com eles sobre essas coisas, eu não queria que eles se preocupassem mais com os meus problemas’’, comentou.

Os problemas foram se acumulando. Ela não conseguia lidar com tudo o que a estava prejudicando. Daí houve tentativas suicídio. “Eu sempre falava isso brincando, mas no fundo tinha um pouco de verdade. Eu dizia que precisava ter coragem e ser forte para fazer isso. Teve um dia que eu simplesmente acordei no meio da noite, cansada, cansada dessa vida. É muito difícil a sensação de saber pelo psiquiatra que tua vida pode ser assim para sempre e ao mesmo tempo tu te sentires egoísta porque tem pessoas com situações piores e conseguem lidar com isso. Chega um momento que tu não consegues lidar com isso e tu queres acabar com tudo, tu queres te sentir livre e o único jeito é acabar com a vida.’’

Outra estudante da UFPA que passou por questões semelhantes também se dispôs a falar sobre o assunto. Após a morte da mãe biológica, a jovem foi criada por uma mãe adotiva e começou a apresentar transtornos de personalidade, sociabilidade e ansiedade por não saber lidar com a situação. Os problemas se agravaram com a entrada na universidade. “É um mundo novo, são pessoas diferentes e por eu ter uma certa fobia a conhecer pessoas novas eu acabava me afastando, no início. A vida acadêmica agrava esses problemas porque são exigidas coisas nossas que nós ainda não estamos preparados para lidar’’, disse.

A estudante tentou o suicídio duas vezes desde sua entrada na universidade. Em uma das tentativas ela acabou parando no hospital. “São coisas que nem a minha família sabe. A única pessoa que sabe que aconteceu foi uma colega da faculdade. Eu não penso que os meus colegas têm a obrigação de me acolher, sou eu que tenho que resolver, mas de qualquer forma eu acredito que todo jovem que entra na universidade deveria ter obrigatoriamente o acompanhamento psicológico’’, afirmou.

As duas estudantes fazem acompanhamento profissional psicológico, ao contrário de outra entrevistada, também estudante universitária, que se prepara para defender o TCC (Trabalho de Conclusão de Curso). Ela tem 22 anos e começou a sentir os sinais de que sua saúde mental não estava indo bem no último período da faculdade. Isolamento social, tristeza profunda, baixa autoestima acadêmica foram apenas alguns dos sinais que a fizeram perceber que toda a carga da última fase na graduação estava lhe causando problemas em suas relações interpessoais. “Comecei a me sentir impotente diante das demandas que estavam me sendo cobradas, a exemplo de trabalhos, artigos, estágios supervisionados, TCC etc. Eu sentava para começar a escrever e só o que me vinha à mente era se eu estava de fato preparada para a formação”, comentou a estudante. A universitária afirma que a insegurança começou a sondar a sua capacidade de ser uma profissional, apesar de ter entrado no curso com a certeza de que era isso que ela sempre queria.

Além dos inúmeros obstáculos sociais que os estudantes enfrentam para chegar em uma sala na universidade, é preciso ainda encarar os desafios dentro dela. Para a estudante, a maioria das universidades não quer preparar profissionais capazes de mudar o mercado de trabalho, e sim prestadores de serviço que deixarão tudo como está. “Sinto que o sistema que envolve a universidade e os seus cursos não se preocupam em preparar, de fato, profissionais, mas em trabalhar com alunos meramente academicistas, para formar profissionais engessados, prontos para seguir ordens e cumprir serviços”, disse.

A estudante não procurou ajuda psicológica. O trabalho e a faculdade tomam conta de todo o seu tempo. “Até pesquisei, mas não tinha como encaixar as consultas na rotina, além de que eu pensava que tinha que enfrentar tudo sozinha, que era minha obrigação saber lidar com isso.” Mas ela ressalta que é importante que as pessoas que sofrem com transtornos psíquicos causados pela faculdade procurem ajuda profissional. “A força que eu encontrei foi em me apoiar nas pessoas que sempre estiveram ao meu alcance quando eu precisei, minha família e amigos, eles foram muito importantes, serviram como uma forma de ânimo. Porém, sei que o certo a se fazer é procurar ajuda profissional. Se você precisa, procure! Não tenha vergonha”.

O auxílio da universidade

Muitas universidades públicas e particulares dispõem de serviços que auxiliam o alunado na recuperação da saúde mental. A UFPA possui a Clínica de Psicologia, que é um serviço geral, não restrito aos membros da academia. O atendimento na clínica começou em 2010 com o Programa Estudante Saudável (PES), vinculado à Superintendência de Assistência Estudantil (SAEST), que possui outras especialidades médicas para atender os universitários. O público alvo são tanto estudantes de graduação quanto de pós-graduação. No entanto, a demanda quase que total é de alunos da graduação, segundo a técnica em assistência social Daniela de Oliveira.

Todos os alunos são assistidos pelo projeto, mas o foco vai para os alunos em vulnerabilidade socioeconômica. A princípio, quando um aluno busca pelo atendimento na clínica é feito o acolhimento pelos estagiários de psicologia ou pelos de serviço social. Nesse acolhimento o aluno é avaliado para identificação do nível de sua saúde mental. Em seguida, é destinado para o tratamento de acordo com os resultados dessa avaliação. A clínica funciona no período da manhã e da tarde e não está destinada a atender casos de extrema urgência, que quando ocorrem são destinados ao HC (Hospital de Clínicas),

A técnica Daniela de Oliveira explica que todos os casos são discutidos semanalmente e colocados em uma escala de prioridades. Há uma hierarquia, relacionada aos tipos de problemas enfrentados pelos alunos, na urgência do atendimento. Isso faz com que alguns usuários sejam atendidos em pouco tempo e outros só depois de uma longa espera. “Como o projeto existe desde 2010, nós temos uma fila de espera muito grande; para você ter ideia, agora que nós estamos chamando o pessoal do final de 2015, então é uma espera muito longa, por isso a necessidade de haver discussões dos casos para questionar a urgência de cada um”, relata Daniela. Ela também alerta para o aumento de tentativas de suicídios nos últimos anos. “Desde o início do ano, a queixa de suicídio teve um aumento enorme, a gente precisaria inclusive fazer um levantamento sobre o que causa essa demanda.”

Os tipos de transtornos encarados pelos universitários e relatados pelos profissionais que atuam na clínica são diversos. Há queixas como términos de relacionamentos, dificuldades com a demanda ou o ambiente da universidade, problemas de depressão e ansiedade e vários casos graves de pessoas com tendências suicidas.

Joel Castro trabalha na clínica como técnico em psicologia. Ele já presenciou casos graves de tentativas de suicídio. “Uma vez chegou uma menina aqui (na clínica) com os braços cortados, ela tinha sido resgatada na beira do rio por outro estudante, e apesar de que não atendemos urgências e emergências, acolhemos ela e descobrimos que ela já estava passando por muitas dificuldades ao longo da vida e que essa era a sua terceira tentativa de suicídio’’, relata Joel. Ele também aponta que fatores como a dificuldade financeira da universidade, a diminuição de verbas, da estrutura ou o aumento da carga horária podem fazer com que dificuldades pessoais dos alunos acabem evoluído para problemas psicológicos e prejudiquem a dinâmica acadêmica dessa pessoas.

As direções de faculdades precisam ter um olhar mais sensível neste sentido para com os alunos, disponibilizando ajuda psicológica, ou então a universidade acaba se tornando um “catalisador para novos sofrimentos’’, na visão de Joel. Pela sua experiência, grande parte das pessoas que chegaram na clínica estavam passando por uma situação de sofrimento que poderia ser amenizada ou até mesmo anulada por uma questão social, por ter uma boa estrutura familiar, por ter desde cedo acompanhamento do psicólogo, isto é, tudo que preparasse esse jovem para a entrada na universidade, no mercado de trabalho, na vida adulta.


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